LIBRAS e a Enfermagem

Texto extraído do Projeto de Pesquisa:  O MUNDO DO SILÊNCIO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE PERANTE O MUNDO DE PALAVRAS DOS SURDOS: um diálogo com surdas sobre o atendimento ginecológico em saúde                        Pesquisador: Enfermeiro Roberto Albuquerque

 

            Uma jovem ouvinte está com dores ao urinar . Essa dor apareceu após relações sexuais que a mesma teve com seu namorado e decide procurar um hospital, porém sem contar para seus pais ou amigos sobre o ocorrido. Dirige-se ao pronto socorro mais próximo de sua casa e relata seu quadro, oralmente, à recepcionista, para que esta possa encaminhá-la ao médico para uma consulta. A recepcionista é surda e não faz leitura labial.

            Após um momento de incompreensão entre as duas partes, a recepcionista decide encaminhar a jovem ao enfermeiro, que também é surdo, para que ele possa resolver este problema de comunicação.

            A jovem ouvinte, indignada, pergunta se não há alguém que lhe entenda e pede ajuda ao enfermeiro surdo. Sem sucesso. O enfermeiro, então, por meio da linguagem de sinais, a encaminha para uma das cadeiras da recepção do pronto socorro. A jovem ouvinte, sem saber a língua dos sinais, dá a entender que é para esperar ali.

            A jovem, depois de uma longa espera, sente algo tocar seu ombro: é a recepcionista. Aparentemente chegou sua vez de ser atendida. Chegando ao consultório médico, inicia seu relato falando que é um absurdo em um serviço básico como a saúde a recepcionista e o enfermeiro não conhecerem sua língua para poder ajudá-la. Mas suas reclamações parecem não surtir efeito, o semblante do médico não se altera. Ele também é surdo e também não faz leitura labial.

            Então o médico escreve algumas perguntas em um pedaço de papel, porém, a paciente esqueceu seus óculos em casa e não consegue ler. Portanto, toda a comunicação deverá acontecer por mímicas, um tentando “adivinhar” o que o outro quer dizer, cabendo ao profissional, sem conhecer a história de seu paciente, estabelecer o tratamento a ser adotado.

Provavelmente esta jovem não procurará este hospital novamente. Afinal, ninguém a entende ou mesmo consegue se comunicar claramente com ela.

            Aos leitores surdos, não precisa pedir para que imaginem nada disso, pois, infelizmente é este quadro de “desencontros” que enfrentam na maioria das vezes que precisam de um atendimento de saúde, caso não possam pagar um intérprete, ou o estabelecimento não contar com um, ou mesmo ter alguém, geralmente da família, para acompanhá-los e “traduzir” o atendimento.

            Como então será a qualidade desse atendimento? Como se fará o elo de confiança necessário entre paciente-profissional de saúde? Como seria a construção da percepção de saúde-doença deste paciente? Para Capra (1982), “a relação psicológica com um profissional de saúde é uma parte importante, talvez a mais importante de toda e qualquer terapia. Induzir paz de espírito e a confiança no processo de cura sempre foi uma finalidade primordial do encontro terapêutico entre médico e paciente.”

            Alguns pensam que a simples presença de um outro que domine a Língua de Sinais é suficiente para a resolução deste problema. Porém, mesmo que a pessoa surda esteja acompanhada, dois grandes problemas surgem na relação: Caso ela vá acompanhada ou no serviço haja algum intérprete disponível, haverá uma terceira pessoa numa interação que deveria ser dual, haverá a necessidade de intervenção externa para que um (profissional de saúde) se faça entender pelo outro (paciente).

            Assim, Freud (1973) relata que “a situação terapêutica não tolera a presença de um terceiro. Esse terceiro transformaria a transferência que deve ser do terapeuta (profissional de saúde) com o paciente em uma tríade, na qual o paciente não saberia quem tomar como aquele que vai solucionar suas questões.

            Já se o acompanhamento for feito por alguém da família, há uma tendência de falar pelo outro, reflexos de uma espécie de sentimento protecionista, “eu convivo com ela, eu sei que se passa”, além da falta de privacidade. Se uma jovem surda vai ao ginecologista, por exemplo, para fazer uma consulta após sua primeira relação sexual, mas não quer que a mãe saiba sobre o que aconteceu. Como terá sua privacidade preservada se quem irá com ela for justamente a mãe? Como poderá tirar suas dúvidas e ter orientações?

            E dando continuidade neste tema: atendimento ginecológico para jovens surdas. Como seria este atendimento ginecológico, quando esta jovem tenta conversar com o médico e o mesmo não conhece a linguagem de sinais? Como se formaria a relação entre o profissional e a paciente, quando seria necessária a observação da vagina da paciente e a comunicação falha entre as partes envolvidas? Ou, caso haja a presença de um intérprete (da instituição ou mesmo um familiar) como se formaria o elo necessário a algo tão pessoal quanto o toque e a indiscrição da presença de um terceiro na consulta ginecológica? Após a consulta, será que a jovem voltaria naquela instituição de saúde?

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